Queimar as naus
(Mario Benedetti – tradução livre por Lucas Bronzatto)
O dia ou a noite em que por fim chegarmos
será preciso queimar as naus
mas antes teremos metido nelas
nossa arrogância masoquista
nossos escrúpulos molengas
nossos menosprezos por sutis que sejam
nossa capacidade de ser menosprezados
nossa falsa modéstia e o doce sermão
da autocomiseração
e não só isso
também estarão nas naus a queimar
hipopótamos de wall street
pinguins da otan
crocodilos do vaticano
cisnes do buckingham palace
morcegos do el pardo
e outros materiais inflamáveis
o dia ou a noite em que por fim chegarmos
será preciso sem dúvida queimar as naus
assim ninguém terá risco nem tentação de voltar
é bom que se saiba desde já
que não haverá possibilidade de remar noturnamente
até outra margem que não seja a nossa
já que será abolida para sempre
a liberdade de preferir o injusto
e nesse único aspecto
seremos mais sectários que deus pai
no entanto como ninguém poderá negar
que aquele mundo arduamente derrotado
teve alguma vez traços dignos de menção
para não dizer notáveis
haverá de todos modos um museu de nostalgias
onde se mostrará às novas gerações
como eram
paris
o whisky
claudia cardinale
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