quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Arte poética de bar-bárie

Poema em duas versões, uma com versos emprestados no texto e outra com versos emprestados nas entrelinhas. Ambas para o mesmo amigo:

Arte poética de bar-bárie

Feito um defeito desfeito
deixar transparecer nos versos feitos
as causas dos efeitos

como um desilusionista

(para Henrique Santos, o Pakkatto)


--

Arte poética de bar-bárie

Me disse no bar um pakkatto poeta:
enquanto uns procuram frases de efeito
poeta explora os efeitos da frase

Akkatto o que diz pakkato
e digo mais:
em tempos de barbárie
poeta precisa ser desilusionista
feito um defeito desfeito
deixar transparecer nos versos feitos
as causas dos efeitos

(para Henrique Santos, o Pakkatto)

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Como diria o poeta

Como diria o poeta
comodo iria o poeta
com o dia ria o poeta
como? diria o poeta
incomodaria o poeta
como odiaria o poeta
como doaria o poeta
como diria o poeta
a cômoda ri do poeta
é cômodo ir ao poeta
como de ar o poeta
como adiaria o poeta
como doeria o poeta
como diria o poeta
como diluiria o poeta
com dor ria o poeta
com dó ria do poeta
como diria o poeta
aquele lá, sabe?
quem diria!

(Lucas Bronzatto)

sábado, 6 de dezembro de 2014

Necedad (traducido al español)

Recebi "de presente" de outr@ fã do Silvio Rodriguez esta tradução do poema Necedad ( http://www.outroscantostortos.blogspot.com.br/2014/10/necedad.html ) que escrevi por ocasião da divulgação do apoio deste cantautor cubano à reeleição de Dilma. 
Enviei o poema em português como comentário a um post do blog do Silvio ( www.segundacita.blogspot.com ) e uma pessoa fez uma tradução livre do poema. Infelizmente a pessoa não se identificou, ou deu algum problema no sistema que seu nome não apareceu. Tentei entrar em contato, mas não obtive retorno ainda. Caso me retorne, identificarei aqui o nome de quem traduziu. 

Segue a tradução:



Necedad
(o versos sobre los comentarios del apoyo de Silvio Rodriguez a Dilma)

Te escribo como quien fue al bosque
y tardó en volver
como quien vio nacer la rabia
después de la alegría
- no es siempre que brasileños dicen tu nombre -
escribo desde mi inventado barco ¨Playa Girón¨
navegando en un mar de rabia

dicen que tu y los tuyos no saben qué es un voto
dicen que tu apoyo es por el Puerto del Mariel
preguntan irónicamente quién eres tú
dicen que pocos cubanos salen de su país
que si no apoyases a Dilma te fusilarían
que la presidenta financia a tu país más que al nuestro
tenía que ser cubano este desgraciado, dicen
este leproso, dicen
a quién le importa Cuba, dicen
dicen que se avergüenzarian del apoyo de un cubano
pero no se avergüenzan por decir lo que dicen

lamenté por un instante que sus oídos
no hubieran escuchado nunca tus trovas
pero luego pasó

habrá quien hable así por no saber
pero probablemente, Silvio
entre ellos están
los que hacen nacer el dolor que no curan los ángeles
y se unen al coro de demasiado NUNCA
de demasiado NO
gritados en nuestros oídos
hace más de quinientos años
hay gente enamorada del mal gigantesco
hay gente de acuerdo con el embargo asesino
hay gente que apoya el boicot a Chico
genio mundialmente reconocido como tú
hay gente que ignora
que de los muchos millones que somos
también son pocos los que consiguen salir del país
y probablemente hay entre ellos
los que se enojan en los aeropuertos
con los brasileros que antes no volaban

me dan vergüenza
pero son así
tu los conoces
son el mismo tipo de gente
que elogia el capitalismo
tomando un mojito en Varadero
¨mira que libres somos¨
¨mira como viajamos¨
¨mira cuantos partidos tenemos¨
¨mira todo lo que podemos comprar¨
¨huele mi jabón caro¨
¨mira cuantos zapatos tenemos¨

(y debajo de sus zapatos
hay sangre de trabajadores
que ellos o sus padres o abuelos o bisabuelos
pisaron)

confunden tener con ser
y quieren confundir a todos

muchos son como ¨los pitucos¨de Benedetti
(a veces una huelga les arruinan el alma)
no les hagas caso
no los escuches
es tanto su odio
que ni un ejército de Reparadores de Sueños
lo puede aflojar
no merecen tu sol encendido
tu espacio sin fin

necios de otra necedad
te mandan a callarte
sin haber escuchado nunca una palabra tuya
una sola nota de tu voz afilada
cada quince minutos alguien insiste en repetir
que ni tu ni los tuyos saben qué es un voto
pero no les hagas caso, Silvio
parte de ellos pasarán cuatro años
sin hablar de política después del día veintisiete
(este tema tan presente en las plazas cubanas)
y tienen el descaro de llamarlos alienados
defienden la democracia
defendiendo al candidato que censura los medios
y tienen el descaro de calificar a Cuba como dictadura
para entenderlos a ellos
es preciso leer las revistas semanales
del monopolio de la prensa de mi país ¨democrático¨

te llaman alienado
te llaman esclavo
te llaman ¨izquierdista caviar¨
te llaman insecto
(y no se trata de una mariposa blanca)

la tristeza de que nunca te hubieran escuchado
es ahora ínfima

de ¨isla-presidio¨ llaman a tu país
no se dan cuenta
aislados están muchos de ellos
presos están muchos de ellos

domingo, 30 de novembro de 2014

Para quando você for grande a ponto de entender

Para quando você for grande a ponto de entender
 Já vai ter passado um bom tempo, mas faço questão de que um dia você saiba que também esteve junto durante esta longa e bonita viagem que fiz. Por várias vezes eu olhava pra sua foto, aquela que levava de papel de parede no celular, de uma tarde na praça que você provavelmente não vai lembrar quando crescer ou que fará parte do monte de boas memórias fragmentadas da sua infância, que não terão ordem cronológica, mas que se misturarão e talvez deixarão minha imagem associada àquele tempo bom, possivelmente a mesma sensação que tenho com minhas tias e com as visitas a São Paulo. Uma tarde tão marcante pra mim, sair da frente da sua amada Discovery Kids e ir a uma praça, ao bom e velho Jardim Velho e te ver brincar na areia, bagunçar, fazer montinho, escorregar, encher o escorregador de areia, fazer anjinho no chão como nesta foto que eu levo comigo nessa viagem de tantas fotos que quando você for grande a ponto de entender eu vou querer passar várias tardes te mostrando e te contando histórias desses dias de mochila, talvez tomando cerveja, talvez vinho ou chimarrão, te contarei das mulheres que saíam às ruas no Natal na capital da Bolívia para entrar nas filas de caridade que os donos de comércios faziam pra aliviar suas consciências e tornar visíveis por alguns minutos as pessoas que durante todo o ano fingiam que não existiam e incontáveis vezes expulsavam-nas de seus comércios, do olhar das crianças indígenas na praça de Sucre segurando seus brinquedos simples ganhados de doação vendo passar a menina loirinha, com a bicicleta nova que sua mãe comprou e te contar das assustadoras estradas pelas quais passei, da insanidade dos motoristas de ônibus, dos momentos em que parecia que o freio não ia aguentar e um penhasco ia engolir todas as nossas futuras tardes na praça, todas as nossas brincadeiras na sala e contar da vida desgraçada dos mineiros que extraem prata e zinco em Potosí, onde também achei que ia cair em algum buraco faminto por gente e não voltar pra te contar estas histórias, e que este meu medinho besta nem se comparava ao que os mineiros sentiam nas profundezas da mina, dentro do inferno, não era nada perto das centenas de acidentes e das dezenas de mortes e contar que vi de perto coisas que você via na época em seus desenhos animados: desertos, vulcões, lava, cactos gigantes e do realismo mágico de nossa América, isto de um dia  estar na praia, no outro no deserto e no seguinte nas montanhas e logo depois na neve e que passei um réveillon numa festa no meio do deserto no Chile, que tocou muita música brasileira e te dizer, caso ainda não tiver descoberto, que nossos vizinhos dos outros países gostam muito de brasileiros, e que este culto às rixas entre nós existe pra enfraquecer a luta de nossos povos e que em uma das pousadas que fiquei na Bolívia os filhos do dono vieram cantar pra gente na janta e eram três: uma menina maiorzinha, um menino um pouco mais novo que ela e outro menor, que parecia ter uns 2 anos, que mais ria que cantava e lembrei imediatamente de vocês três, pequenos, das bandas que a gente montava na "casa da vovó", com um violão quebrado, uma pele de bumbo de bateria, um microfone que não funcionava nunca e um contrabaixo velho, da festa que a gente fazia e justamente quando eu sorria lembrando disso e de como era bom vocês poderem ter infância, uma das crianças interrompeu minha saudade pra me pedir dinheiro pela apresentação, com o mesmo olhar cortante que vi nas muitas crianças que pediam dinheiro na rua na Bolívia e te contar que tirei uma foto de um boneco de neve pra você, com nariz feito de pedra e não de cenoura, e que vi muitas cidades de pedra que te deixariam com mais "dó" ainda do que você ficou quando viu as fotos de Macchu Picchu pela internet, te dizer porque os índios foram e sempre serão tão importantes, explicar a diferença entre o termo índios e povos originários, falar da forma como eles organizavam suas sociedades e viviam em comunhão com a natureza, da técnica impressionantemente precisa de cortar as pedras que você vai ver nas fotos de Tiwanaku e assim te contar porque os poderosos fazem tanta questão de apagar dos livros e das memórias essas nossas raízes, porque inventam histórias sobre arquitetos alienígenas e falar da matança de povos originários que fizeram os espanhóis e portugueses de um jeito que sua escola não vai contar e te emprestar, se você quiser, As Veias Abertas da América Latina, este livro vivo que abriu minha cabeça, minhas veias e continua abrindo tantas veias e cabeças como a de outros jovens que encontrei nesta viagem e se caso você for estudante, te falar dos estudantes chilenos que conheci e da consciência e força que tinham, dos penguinos, das greves daquele ano, das grandes alamedas em seus olhos e de toda a história de lutas do movimento estudantil chileno, e também do movimento estudantil brasileiro, te contar que vi um presidente indígena falar para as nações de seu país colocando o dedo em algumas feridas que quase ninguém colocava, mas que teve gente que me disse que era mais discurso que prática e talvez nesse momento falar de Paulo Freire e do quão fundamental é diminuir a distância entre o que dizemos e o que fazemos e depois rir lembrando que nessa época você queria ser o Homem-Aranha, ou melhor, você era o Homem Aranha e te contar que eu também tinha (e com certeza terei ainda quando chegar este tempo de te contar) meus heróis e heroínas, que são mulheres e homens sem mutações, sem picadas de aranhas radioativas, nem roupas, nem cintos nem anéis especiais, mas com os superpoderes de pensar e agir coletivamente e dedicar a vida ou parte dela para fazer do mundo um lugar mais justo, heroínas e heróis que não usam capas nem capacetes, mas roupas simples, bandeiras, boinas, máscaras, lenços, saias, canetas, enxadas, violões, cabelos bagunçados, cada qual do seu jeito, todos do povo, todos odiados e combatidos pelas classes dominantes (os vilões da vida fora dos desenhos) e te revelar que o tipo de sonhos que este seu padrinho leva dentro dos sapatos às vezes faziam nascer asas nos meus pés e ao mesmo tempo que me afastavam, me aproximavam de você, porque ter esperança e amor sem preço durante a vida adulta é um jeito de se manter criança, manter alguma pureza e que talvez por isso você sempre se assustava quando eu falava o monte de anos a mais que você que eu tinha (e nessa hora vou tentar imitar a cara engraçada que você fazia), e se forem mesmo muitas tardes de conversa vou fazer questão de dizer o nome e descrever uma a uma quem foram as pessoas que me estimularam a ser desse jeito que muitos tolos dizem que não leva a lugar nenhum e que me levou a viajar da maneira bonita que viajei, e a me afastar, me aproximar, me afastar, me aproximar e explicar porque eu viajava tanto, morava fora, não estava sempre lá quando você queria e o que eu buscava quando mudava de cidade, quando viajava e o que eu encontrei e dizer o quanto é importante conhecer outros modos de vida, outros modos de ver o mundo, furar as bolhas, e te contar que durante essa viagem eu podia escolher morar em um lugar tão perto de você que poderia passar o dia do seu aniversário com você e não só a festa como nos últimos seis anos, mas eu escolhi ir para um lugar mais longe, o mais longe que eu já tinha ido pra morar até então e te explicar porque fiz esta escolha e como foi difícil e doído abrir mão de estar mais perto de vocês três, pequenos, e dessa enorme capacidade que vocês tinham de curar as dores que a vida adulta nos causava, e como me chateou diminuir o número de vezes que você ia dormir comigo na sua infância com seu pijama engraçado que brilhava no escuro assistindo desenho até cair no sono e também deixar de encontrar com frequência todas as pessoas que amo que estavam perto de você, nesse lugar que eu nasci e passei tanto tempo da minha vida, e que também por isso, cada vez que eu olhava sua foto aumentava mais a vontade de viver, voltar e te contar um dia que sua alegria daquela tarde no parque aumentava mais a minha esperança, minha força pra lutar, pra fazer minha parte pra que quando você for grande a ponto de entender isso tudo que eu vou te contar, que pelo menos algumas dessas coisas sejam coisas do passado. 

(Lucas Bronzatto)

- janeiro de 2013. texto concebido em uma das longas viagens de ônibus pela Bolívia, vendo da janela paisagens como esta. Ritmo de pensamento, sacolejos de viagem - 


sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Ao que tudo indica

Ao que tudo indica

De nada vale a luta se não houver flores
luta sem poesia é causa vazia
grito oco
rio seco

Sabemos desde sempre:
o amor é sustento e guia

Mas
ao que tudo indica
nem uma chuva das mais belas flores
nem os mais tocantes versos sobre a injustiça
nem a mais visceral das interpretações
nem o mais longo e bem dado abraço
convencerão – por exemplo – um latifundiário
a ceder suas terras aos camponeses

muito menos se tiver espingarda
e capangas

(Lucas Bronzatto)

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Blog Poema Diário

Poema 20:00 publicado no blog Poema Diário:
http://pordiaumpoema.blogspot.com.br/2014/11/cinzas-lucas-bronzatto.html
Conheçam o blog, tem bastante poesia boa, vale muito a pena!
Sob a "curadoria" de Daniel Russell Ribas!

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Alteração de consciência

Alteração de consciência

está cientificamente comprovado:
a meritocracia parece inofensiva
mas é a porta de entrada para outras drogas


(Lucas Bronzatto)

sábado, 8 de novembro de 2014

Casa é outra coisa

trocar outra vez a chave do chaveiro

engana-se quem acha que mudo de casa
ruas e números são para as contas
casa é outra coisa

casa não tem endereço
casa nunca precisa de chave

(Lucas Bronzatto)

Dinheirinho suado


Chupins

Meu dinheirinho suado sustenta vagabundo
Trabalho todo dia
carregando chupins nas costas

Não me dão folga
nem no domingo
(parte do que pago no almoço
vai direto pra mesa deles)

Meu dinheirinho suado
nosso dinheirinho suado
ao invés de ir pra saúde e educação
cai nas mãos desses folgados
que ainda por cima
gastam tudo com bobagens

Olha, pra mim chega!
Pesa demais
financiar o pagamento da dívida pública
e encher o bolso da burguesia

Tô cansado dessa gente acomodada
que faz suas farras às minhas custas

(Lucas Bronzatto)

Maisduridade


Mais um lindo trabalho da Lara Paixão! Traço sobre poema!
o poema:

Perigosa confusão esta:
orgulhosamente dizer-se maduro
quando se descobre mais duro

(Lucas Bronzatto)

Desenho de Lara Paixão


quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Necedad

Necedad (ou 'versos sobre os comentários ao apoio de Silvio Rodriguez a Dilma')

Te escrevo como quem saiu pra ir ao bosque
e demorou pra voltar
como quem viu a raiva nascer
depois da alegria
(é raro brasileiros dizerem seu nome)
escrevo de meu barco playa giron inventado
navegando em um mar de raiva


dizem que você e os seus não sabem o que é voto
dizem que seu apoio é pelo porto de Mariel
perguntam quem você é, em tom satírico
debocham que poucos cubanos saem do país
que se não apoiasse a Dilma te fuzilariam
dizem que a presidenta financia mais seu país
que o nosso
tinha que ser cubano esta desgraça, dizem
este lazarento, dizem
ninguém liga pra Cuba, dizem
que teriam vergonha do apoio de um cubano
mas não têm vergonha de dizer o que dizem


lamentei por instantes que os ouvidos deles
nunca tenham ouvido suas trovas
mas logo passou


há quem diga estas coisas por não saber
mas entre eles, Silvio
provavelmente também há gente
que faz nascer a dor que os anjos não curam
que se junta ao coro dos demasiados NUNCA
dos demasiados NÃO
gritados em nossos ouvidos há 500 e poucos anos
há gente apaixonada pelo mal gigantesco
há gente que concorda com o embargo assassino
concorda com o boicote ao Chico
gênio reconhecido mundialmente como você
há gente que ignora
que dos muitos milhões que somos
também são poucos os que conseguem sair do país
e provavelmente há entre eles
os que chamam aeroportos de rodoviárias
incomodados
com brasileiros que antes não voavam


me dão vergonha
mas há os que são assim
você os conhece
são o mesmo tipo de gente
que faz elogios ao capitalismo
tomando um mojito em Varadero
"olha como somos livres
olha como podemos viajar
olha quantos partidos temos
olha quanto podemos comprar
olha meu sabonete caro
olha quantos sapatos temos"


(e há debaixo de seus sapatos
sangue de trabalhadores
que eles ou seus pais ou avós ou bisavós
pisaram)


confundem ter com ser
e querem confundir a todos


muitos ali são como “los pitucos” do Benedetti
(às vezes uma greve arruína-lhes a alma)
por isso nem lhes dê ouvidos
é tanto ódio que nem um exército
de reparadores de sonhos consegue consertar
não merecem seu sol aceso
seu espaço sem fim


néscios de outra insensatez
te mandam calar a boca
sem nunca ter ouvido uma palavra sua
uma única nota
de sua voz pontiaguda
a cada 15 minutos alguém insiste em repetir
que você e os seus não sabem o que é voto
não leve-os em conta, Silvio
parte deles ficará 4 anos sem falar de política
depois do dia 27
(este tema tão presente nas praças cubanas todo dia)
e têm a audácia de chamá-los de alienados
defendem a democracia
defendendo o candidato que censura a mídia
e têm a audácia de chamar Cuba de ditadura
para entendê-los
é preciso ler as revistas semanais
do monopólio de imprensa de meu país “democrático”


te chamam de alienado
te chamam de escravo
te chamam de esquerda caviar
te chamam de inseto
(e não é uma mariposa branca)


a tristeza de nunca terem te ouvido
agora é ínfima


de “ilha-presídio” chamam seu país
não percebem
ilhados estão muitos deles
presos estão muitos deles

(Lucas Bronzatto)

--

Pra quem quiser ler os comentários:
https://www.facebook.com/SiteDilmaRousseff/photos/pb.351338968253034.-2207520000.1414085501./782068238513436/?type=3&theater

--


Pra quem quiser conhecer Silvio Rodriguez, aí vão algumas das músicas às quais faço menção no poema:
Dias y flores: https://www.youtube.com/watch?v=Ey4H5L6gd4E
El Necio: https://www.youtube.com/watch?v=bKr8guhNA1I
Segunda cita: https://www.youtube.com/watch?v=Duj-KbT6LLM
Demasiado: https://www.youtube.com/watch?v=1PR_uEtSffM
Por quién merece amor: https://www.youtube.com/watch?v=QB4fjWfZrGQ
Mariposas: https://www.youtube.com/watch?v=xVZXqSYk9D4

E o poema de Mario Benedetti: http://blogs.montevideo.com.uy/blognoticia_55665_1.html

Mediocre Idade


Mais uma arte de Lara Paixão, sobre um poema meu!

Bobo News

Nova versão em video do poema Bobo News, na voz da Alice Souto!

https://www.youtube.com/watch?v=As_5IxCzRy4&feature=youtu.be

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Purgatório

Purgatório

 (para Dani Santos)


Perguntam-me sobre poemas
não tenho respostas

As margens que comprimem esse Rio
de janeiro a janeiro
me deixaram mudo
Tão grandes feridas nas retinas
tornaram pequenos meus versos

Desmaravilhadores
desceram de seus helicópteros
saqueando minhas palavras
Do alto de seus edifícios empresariais
pescaram metáforas da minha garganta

Estilhaços de bomba incrustaram-se no céu
da minha boca
Prisão preventiva de ideias
Junto à saliva e ao sangue
dos tapas na cara dados pela realidade
cuspi frases inteiras

Graças aos pés fincados na rua
só foi embora o que era ingênuo
Por ora ficou esse mutismo
que se sabe passageiro
silêncio
incômodo
olhos que cicatrizam
e eu pé ante pé
juntando as palavras que sobraram
às pedras
e ao que brota no deserto

(Lucas Bronzatto)

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Manifesto Esquina do Tempo

Recebi do meu grande amigo Gabriel Bordignon este manifesto poético, uma resenha de meu livro Cantos Tortos. Com muita honra, compartilho com vocês, seguido de um poema, também de autoria dele:

Cildo Meireles - Cantos

manifesto esquina do tempo
local no qual acontecimentos casuais se encontram em diferentes sentidos. a coincidência é irmã mais velha por parte de mãe do deja vu.
o título do livro cantos tortos de meu amigo lucas bronzatto me lembrou uma obra de cildo meireles chamada cantos, na qual o artista cria um "vão", um espaço, no encontro (canto) de duas paredes de uma sala. ao pensar sobre essas duas obras me lembrei de outra expressão: horizonte vertical, acho que é o título de um livro, não lembro, mas ela caberia bem nesses cantos. 
 isso por sua vez me lembrou um trecho de marçal aquino, acho que do livro eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios, em que ele escreve algo mais ou menos assim de tentar extrair sonhos das frestas da realidade. acho que é por aí. 
 a origem da obra de cildo é a história de um sonho que ele teve uma vez quando criança. o artista estava na casa da avó e depois do almoço resolvera tirar um cochilo. ele conta que se deitou, mas depois quando tentou se levantar não conseguia se mexer. estava paralisado e não conseguia emitir nenhum som. mas conseguia enxergar e ouvir tudo. de repente ele percebeu num canto do quarto, na diagonal da cama, que começou a sair mãos com unhas ultra pintadas, depois o rosto de uma mulher e depois ela por inteira. veio sorrindo na direção dele. parecia velha e estava muito maquiada. ela andou na direção dele e parou nos pés da cama. começou a levitar e pareceu encostar os dedos dos pés nos do artista. ele conta que rezou todas as orações que conhecia, e quando rezava salve rainha a mulher lentamente se afastou, mas sempre sorrindo, e voltou para o canto. aí ele recuperou o controle do corpo.
 acho legal dessa obra cantos que ela cria um espaço num ambiente doméstico, como se fosse uma metáfora de quebrar a rotina. e voltando ao horizonte vertical, ao criar esse espaço é como se criasse uma possibilidade - inesperada, porque foge da norma, não se vê muitas paredes assim - e o horizonte como símbolo da utopia, aquilo a ser alcançado. como diz eduardo galeano o horizonte como a utopia é inalcançável mas sempre podemos buscá-los, aquilo da importância estar na caminhada, no caminho, no meio (de duas paredes no caso rs mas não só, no meio dessas coincidências que foi o lançamento do livro do meu amigo, chamado cantos tortos que por sua vez é inspirado numa canção do belchior "eu quero é que esse canto torto feito faca corte a carne de vocês", eu ter estudado o cildo e me lembrar dessa obra, a gente ter escrito com mais dois amigos um poema chamado esquina do tempo etc)
 e a poesia entre muitas outras coisas é também isso de criar novas possibilidades para o uso doméstico das palavras. criar umas fendas na realidade pra gente extrair uns sonhos. criar uma brecha no discurso conservador, criar um buraco pra flor nascer do asfalto, facilitar um pouco né... criar um suspiro na respiração da mocinha, ou do mocinho, ou do homem ou da mulher que sofre... criar para conquistar, não no sentido imperialista... entende, amigo? Por que se você me perguntar por onde andei no tempo em que você sonhava, de olhos abertos lhe direi: amigo, eu me desesperava. e temos que gritar desesperadamente, antes que roubem nossa voz.         

poema em homenagem ao livro "cantos tortos": 



Existem alguns cantos onde o tempo se acumula

quem já esteve num metrô vai entender melhor o que quero dizer
ao descer as escadas e seguir para o embarque
ao longo da plataforma há alguns recuos
aqueles lugares onde alguns preferem aguardar o trem
- em vez de esperar com os pés na fita de segurança... -
o que eu queria dizer é que nesses cantos
com o vai e vem dos passageiros
um pouco de tempo acaba se acumulando
alguns minutos de alguém que passa correndo atrasado
sempre acaba se desprendendo e indo parar ali
também nos horários de pico quando a multidão se acotovela
o atrito dos corpos desprende um pouco de tempo
- que depois o pessoal da limpeza acaba varrendo sem querer
para esses cantos
ou mesmo se essa poeira de tempo cair nos trilhos
o rápido passar dos trens vai levantá-la e levá-la
a esses cantos, ou seja, é uma questão de tempo para esses minutos e segundos
- e há até relatos de quem já encontrou horas e dias inteiros –
irem parar (temporariamente) nesses cantos
mas esses não são os únicos refúgios de tempos desabrigados
eles também se acumulam nas dobras do sofá da sala
(de televisão, de espera)
nas juntas das pedras das calçadas, no meio fio
debaixo do banco das praças
nas guimbas, nas cinzas - há um restinho de tempo 
- as escadas rolantes dos shoppings, dizem, são lubrificadas com esse tempo
Que escorre e às vezes até prendem o cadarço na ânsia por mais tempo
- às vezes, dizem outros, caem uns respingos desse tempo nas sacolas de compra,
responsáveis pela momentânea satisfação nelas encontradas. 
o que eu queria dizer é que esses cantos funcionam como trincheiras
sacos de areia de ampulhetas quebradas que protegem contra a pressa diária
há vários tipos desses cantos, um deles é conhecido por cantos tortos
onde o tempo acumulado ricocheteia como uma bolinha de pinball
entre numa espiral, num torvelinho tipo desenho animado
e é atirado de volta ao fluxo dos passantes em outro estado físico
cristalizados em flecha que podem atingir o peito de quem passa
fazendo-o deter-se momentaneamente para talvez lembrar de algo esquecido
ou atingem de esgueio suas idéias mudando o rumo de seus pensamentos 
era mais ou menos isso que eu queria dizer pra vocês 
("...Este caminhar nos lembra não só a atenção distraída dos surrealistas, mas, também, singularmente, a noção freudiana de atenção flutuante, indícios de que pensamento e escrita também se desdobram à escuta do inconsciente. Caminhar, enfim, que é o da criança, particularmente da criança da 'Berliner Kindheit', parada na janela, esperando escondida atrás de um móvel, atrasada quando vai à escola ou à sinagoga, retirada nos cantos afastados do jardim público, enfim sempre hesitante 'nestes limiares' onde, como o diz com excelência Anna Stussi, 'o tempo se acumula'." Jeanne Marie Gagnebin, História e Narração em Walter Benjamin)

--


Conheça os belos poemas e desenhos do Gabriel em http://cafeteiraitaliana.blogspot.com.br/
Grato, meu caro!

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Academia

Academia
Quanto mais o pensamento
debaixo da linha do equador
se alinha
ao fio desencapado da globalização
mais surgem conceitos “intraduzíveis”
eventos em hotéis
armários de sapatos
coleções de gravatas e de abismos
arquipélagos
e timbres de vozes às vezes suaves
às vezes engasgados
de tanto engolir a crítica


Acríticas vozes
acrílicas vozes


Fora da janela
onde o ar não é condicionado
o mundo degringola
intraduzível


(Lucas Bronzatto)

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Poemas publicados na revista Mallarmargens

Tive dois poemas publicados na revista de literatura mallarmargens
http://www.mallarmargens.com/2014/08/2-poemas-de-lucas-bronzatto.html
Aproveitem para navegar pelo conteúdo desta revista, que realiza um importante trabalho de divulgação de poesia brasileira! 

terça-feira, 15 de julho de 2014

Inexplicável?

Inexplicável

Rio de janeiro, 13 de julho de 2014

A ficha ainda não caiu
como explicar o inexplicável?
o que dizer?
que palavras saem com as lágrimas?
vergonha? dor? ódio?
um massacre!
quanto tempo durou?
um mês? um ano? cinquenta anos?
eles treinaram tanto pra isso
uma família!
quanto tempo ainda dura
essa mancha na nossa história?
dura
dura
dura
a dita ainda dura
passado que não passa
a mesma muito escura viatura
batendo no portão
aflição, atenção, detenção
prisão preventiva, arbitrária, temporária
prova imaginária:
quadrilha armada de jornais independentes
e outros artigos de defesa
a arma era do pai e tinha porte
um recorte durante o esporte
um flash mal contado


A ficha ainda não caiu

no dia seguinte mais flashes mais distorções
afinal era dia de final 

nada mais importava
e nem deu pra ver as armas apontadas
as mãos levantadas
o cerco durante o circo
o pão que o diabo amassou
os chutes certeiros da pátria de coturnos
 

Um pé pisa nas cabeças
o outro estraçalha a constituição
aquele calhamaço de folhas fabricado em 88
com prazo de validade variável
de acordo com o interesse do capital
aquele papelzinho verde-amarelo-azul-e-branco
com muito orgulho com muito amor
que a mão do mercado amassa quando quer
e joga pros seus cães raivosos
mastigarem e cuspirem na nossa cara
com risinhos debochados
aquela que virou papel de pão
nesse circo de papel picado
nesse picadeiro que esconde os bastidores
do show de horrores
temor
tremor
terror
terrorismo de Estado é o nome
é a explicação do inexplicável
eles treinaram tanto pra isso
uma família
tão bem preparada
pra fazer da exceção regra

Estado de exceção é o cacete
é o cassetete, é o capacete arrebentado
é a cavalaria desembestada invadindo a praça
braços quebrados, câmeras estraçalhadas
confiscadas, balas de borracha à queima roupa
perseguição por causa da roupa, do cabelo, da bandeira
das filmagens, das fotos no cadastro de manifestantes
“sai, sai da frente, que é aquele que a gente quer
tira a máscara filha da puta

tira a máscara filha da puta gritos de caçada
bandeiras pretas
bandeiras vermelhas
ainda em pé
resistência, coragem, pagarão
arrego não
não passarão!

A ficha ainda não caiu
os alemães são mesmo muito bons de tática
ficou nítida a supremacia no campo
de batalha
quando a polícia usou a Kettling:
tática de repressão alemã
cerco que proíbe a vida
ninguém vai
ninguém vem
território de ninguém
rodinha de terror onde a lei não entra
caldeira da saens peña
bloqueio
pra ninguém gritar perto da festa da final
pra não incomodar os fans
tudo tem que ser perfeito
a copa das copas
o quintal dos quintais
o porão dos porões da democracia
fazia um ano do Amarildo e cadê?

A ficha ainda não caiu
as lágrimas dos 250.000 removidos
o sangue das favelas
você reparou que respingavam da taça
quando os alemães a balançavam no ar?
gotas de um liquido avermelhado

salgado 
enegrecido
você viu que o menino negro na abertura da copa
entrou com uma trava de bicicleta presa no pescoço?
você soube que os gringos levaram boa impressão do Brasil?
o repórter canadense que tomou um chute na cabeça

nunca mais vai esquecer esta viagem
e o que se faz por aqui pra garantir a farra de poucos
a bola rolando
o dinheiro circulando
e a boa imagem do Brasil pro mundo
 

É preciso ordem pro progresso da injustiça acontecer 
tranquilamente
e você sabe 
sem uma boa estratégia de marketing
não há como vender o país
nem alugar


(Lucas Bronzatto) 

Liberdade aos presos políticos! 
Lutar não é crime! 

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Obs: Clique nos versos que estão sublinhados para ver as notícias relacionadas.
Um bom resumo do que vem acontecendo pode ser encontrado em: https://www.youtube.com/watch?v=n72B3zCOLU0

 Foto: Jornal A Nova Democracia
  Foto: Jornal A Nova Democracia
 Foto: Rio na Rua