sábado, 26 de outubro de 2013

Fora do Poema

A dor é real
Escorre sangue fora do poema

Lágrimas tímidas em nada adiantam
Sentir como se fosse na pele
não é sentir na pele
não é o bastante
nunca foi

Canalizar na caneta e calar
e colar palavras em murais
ecoar
e calar
melhor que nada, mas
nada que melhore

(Lucas Bronzatto)

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Hoje o Rio de Janeiro amanheceu chovendo

Hoje o Rio de Janeiro amanheceu chovendo
Na noite passada manifestantes foram detidos
e transportados em ônibus com destino ao passado
Passado que não passou, ditadura que dura
ainda um mesmo dia, 1º de abril de 64, 2013
64 presos, 200 levados pra delegacia, talvez mais

Hoje o Rio de Janeiro amanheceu chovendo
Os policiais que protegem os bancos e seus vidros
que mantêm a ordem pra injustiça se reproduzir em paz
que matam e fazem desaparecer nas favelas
que se irritam quando não se mira no peito dos manifestantes
os tiros de balas de metal
que atiram pertences em caminhões de lixos
comemoraram com orgulho no café no batalhão
cada um dos fichados por formação de quadrilha,
danos ao patrimônio e pelo crime hediondo
de tentar fazer da casa do povo a casa do povo
numa noite com 200 levados pra delegacia, 64 presos
num dia que já dura 49 anos
doi-codi
dói-choque

Hoje o Rio de Janeiro amanheceu chovendo
e me deu vontade de quebrar o vidro
da televisão que mentia a cada cinco segundos
a cada frase com a palavra infiltrados
a cada tentativa de justificar a truculência
Como fez todos os dias daquele dia que começou em 64
e teve 64 presos quando anoiteceu em 2013

Hoje o Rio de Janeiro amanheceu chovendo
As lágrimas de ontem evaporaram, condensaram
e caíram sobre a cidade
Choveu o dia inteiro
Aqui, cada lágrima que a violência do Estado arranca
guarda um rio de dor represado
carrega os mais de dez mil mortos pela polícia em dez anos
e outros tantos mais
por isso às vezes o Rio amanhece chorando desconsolado

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Poema em cima da pedra

Nunca tinha escrito um poema em cima de uma pedra
Escrever em cima de uma pedra, descalço,
é sentir nos pés e nas pernas
o mundo como ele é:
duro
áspero
dolorido
imenso
sem nada que alivie

Os musgos verdes que brotam na base das pedras
esperançosos
são poemas que o mar traz
O mar é insistente diante da dureza das pedras

como os poetas são insistentes diante da dureza do mundo

(Lucas Bronzatto)