terça-feira, 14 de junho de 2016

Ode ao tomate do quintal

ODE AO TOMATE DO QUINTAL

(releitura agroecológica de poema de Pablo Neruda)

A rua
se enche de perguntas
quando vê
os pés de tomate
irrompidos no concreto

os de apartamentos
indagam
se seria possível sem quintal
os de casas
se perguntam por que não
os que um dia migraram
admiram nostálgicos
os tão cinza quanto a cidade
olham enojados
e não encontram porquês

em dezembro
é comum encontrar
bolotas vermelhas
nos jardins da cidade
brilhantes
artificiais
mas essas bolotas
nada artificiais
surpreendem quem passa
em frente à casa
em dezembro
ou em qualquer mês

destoam
dos canteiros esterilizados
dos pés arrancados
dos pés enterrados na pressa
das praças de alimentação

semear
regar
ver crescer
curar sem química
os desequilíbrios
que a metrópole gera
colher
comer
com calma
compostar a sobra
e com calma
ver vida nova renascer

ciclo que afronta o agronegócio
afronta a indústria de alimentos
afronta caminhões que despejam
milhares de tomates na estrada
pra regular o preço
afronta a morte pré-datada

têm luz própria
vermelhos
como o interior da casa
ingrediente mais presente nas receitas
desde sempre
agora invadiram a cozinha
a ponto
de não ser mais preciso comprar
tomates
pendurados em cabos de vassouras
tornaram-se símbolo
da trincheira contra o capital
aberta no quintal
vistas da calçada
cada madeira alçada
é uma bandeira
pequeno passo para a humanidade
grande passo para o sujeito
fruta de luta
polpa que poupa
semente que desmente a falácia
da necessidade de agrotóxico

debaixo da casca
dentro de suas cavernas
habita afeto
habita partilha
habitam memórias e futuros
de um menino comendo tomate
quase todo fim de tarde
vendo desenhos na tevê
e hoje crescido
toma café
quase todo fim de tarde
olhando os tomates
que outras crianças vão comer
direto do pé

sementes que vão carregar

os que há pouco
estavam amarelos
com suas novas cores anunciam:
é hora de colher!
postos sobre a mesa
são mais a cada colheita
são de vários tipos
prontos para o desfrute
e para o escambo com vizinhos
por abacates
bolos
rosas
conversas de portão

vindos debaixo da terra
seus ramos
são capazes de enlaçar a vizinhança
tanto quanto os insetos
que polinizam
suas flores amarelas

vindos debaixo da terra
postos sobre a mesa
nos entregam de presente
os resquícios
da vida em comunidade na metrópole
que o cimento não tapou
germinando-os

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