Versão em gif do poema Gente!
http://giphy.com/gifs/26u6c2AtdepJyx8d2
terça-feira, 14 de junho de 2016
Sem pedir licença
Sem
pedir licença
Migalhas
não enganam mais essa fome
Panos
quentes não controlam mais essa febre
não
impedem mais as convulsões
Se
não há fronteiras para o que expande
a
exploração de uma classe por outra
também
não há fronteiras para os radicais
dos
verbos resistir e ocupar
Guardados
debaixo de línguas
e
idiomas distintos entre si
furam
barreiras
irrompendo
sem pedir licença
como
um rio
comum
rio
Para onde vai
Para
onde vai
Debaixo
da terra
nutrindo-se
das lágrimas
e
pedaços de pele arrancados
pelas
opressões onipresentes
no
presente de tanta gente
Nutrindo-se
do sangue
de
quem caiu em combate
e
de quem morreu sem saber
que
era alvo nessa guerra
Nutrindo-se
das marcas no chão
que
cada passo a frente deixa
e
que os dois passos atrás nunca apagam
Nutrindo-se
dos papéis amassados
atirados
ao chão pelos vencedores
que
contam a História
e
da saliva que carregou histórias
que
não foram pra papel algum
Nutrindo-se
das ruínas
do
que havia antes
da
globalização fincar seus totens
de
seu totalitarismo disfarçado
ser
enfiado goelas abaixo
Nutrindo-se
do que foi arrancado pela raiz
das
pedras removidas de sapatos caros
das
folhas secas e dos frutos podres
Debaixo
da terra
de
onde não se enxerga fronteira alguma
ela
cresce
Desconstrução
Desconstrução
Rodas
coladas no sapato
Sem-Pernas
sem pressa
sem
pé nem cabeça
de
corpo presente
solvente
ausente
Gato
sapato
sem sola
Pedro
Bala pedro cola
pedro
esmola pedro amola
Pirulito
de sapateiro
pedro
penseiro cheirando
e
cheirando e cheirando
e
cheirando a festa e cheirando a sorte
cheirando
descola do chão
dentro
da garrafa o mundo é mais suave
dentro
da garrafa a avenida é dele
fora
da garrafa emerge da margem
do
coração da acumulação de capital
humilhação
acumulada no coração menino
flutua
no cartão postal da capital
desafia
a metrópole
desafina
o coro
tira
fina do corpo
quase
voa pelos ares
enquanto
voa com os ares
da
sua adrenalina engarrafada
surfista
de ondas de concreto
meia
volta, volta e meia, Volta-Seca
capitão
da areia da ampulheta
astronauta
pisando seu próprio planeta
acrobata
que você finge que não vê
tropeçando
no céu
aspirando
sua fuga
aspirante
a notícia de morte sem nome
matéria
desimportante
menor
“menor
cheirando cola
atravessa
a Avenida Paulista de patins
atrapalhando
o tráfego”
(poema
de Lucas Bronzatto sobre foto de Tiago Pezzo)
Cultivo
Cultivo
As
palavras andam verdes
Por
ora são as plantas
que
falam por mim
não
os versos
Se
brotam de gestos feitos com a mão
se
há na terra que as sustenta
as
sobras do que não comi
o
esforço dos malabarismos
pra
escapar da especulação
se
o que nasce alimenta
espanta
e provoca
se
é preciso regar e esperar
se
a impaciência atrapalha
mesmo
quando há urgência
se
são contra-correntes
subterrâneas
subversivas
insolentes
alçando
cores
onde querem cinza
vida
onde querem aridez
sementes
onde querem fim
se
há beleza nos galhos tortos
não
há dúvida:
As
plantas são versos
que
por ora falam por mim
mesmo
que ninguém ouça
Mas
hoje
quem
diria
ignorando
a seca
nasceu
um poema no meio do jardim
(Lucas Bronzatto)
Escola de Luta
Escola de Luta
Estudantes ocupad@s inventaram
cadeados de abrir celas de aulas
correntes de destrancar mentes
vassouras de varrer desesperanças
pontes de ligar sonhos
Na luta
de classes em classes
inauguraram dias
de aprender ensinando
que ficar em pé e fincar o pé
educa mais
que sentar nessas cadeiras
enfileiradas desde o século retrasado
(para @s estudantes das escolas ocupadas do Estado de SP,
inspirado n@s guerreir@s da EE Raul Fonseca)
Estudantes ocupad@s inventaram
cadeados de abrir celas de aulas
correntes de destrancar mentes
vassouras de varrer desesperanças
pontes de ligar sonhos
Na luta
de classes em classes
inauguraram dias
de aprender ensinando
que ficar em pé e fincar o pé
educa mais
que sentar nessas cadeiras
enfileiradas desde o século retrasado
(para @s estudantes das escolas ocupadas do Estado de SP,
inspirado n@s guerreir@s da EE Raul Fonseca)
Contos de Fardas
Chega, né?
você já não tem mais cidade
pra acreditar em contos de fardas
Desenho de Fabiano Carriero - poema de Lucas Bronzatto
Feito as mãos
FEITO AS MÃOS
Sentei para escrever um poema
mas os vapores do gás lacrimogêneo
jogado nos adolescentes
entraram por debaixo da minha porta
irritaram tanto meus olhos
que não enxergavam mais papel algum
não acreditavam mais em papel algum
Levantei da cadeira
botei o lenço e o vinagre na mochila
e tive que deixar a caneta de lado
Sentei pra escrever um poema
mas a lama da Vale
chegou ao mar das minhas palavras
destelhou minha casa
manchou meu caderno
engoliu tudo que eu tinha escrito
Tentei canetas de todas as cores
mas nenhuma escrevia mais
sobre essa tonalidade dolorida de marrom
Levantei da cadeira
e tive que deixar a caneta de lado
Sentei pra escrever um poema
mas o cortejo pequeno
velando mais um jovem negro assassinado
sob olhares indiferentes
passou na minha janela
me fez levantar da cadeira
e deixar a caneta de lado
Sentei pra escrever um poema
mas tentaram roubar a infância
de uma criança na minha frente
outra vez
a violência adulta foi tanta
que as folhas se espalharam pelo quarto
e não conseguia juntar de novo
meus pedaços
Levantei da cadeira
brinquei com ela no chão
por algumas horas
deixando a caneta de lado
Sentei pra escrever um poema
mas lembrei da piada homofóbica no futebol
do comentário machista no bar
e da linha que liga quem falou
à lampada quebrada nos corpos na rua
aos assédios
a tantos crimes de ódio
Levantei da cadeira
e comecei uma treta
que ainda não acabou
e acabei deixando a caneta de lado
Sentei pra escrever um poema
mas a nova lei que o Congresso aprovou
martelou todos os versos
interditou juridicamente as metáforas
A canetada tirou a caneta da minha mão
e me fez levantar da cadeira
Sentei pra escrever um poema
mas tinha uma brecha
na agenda da escola ocupada
Arrisquei e toparam
Levantei da cadeira
fiz uma oficina sem nunca ter feito
falamos de tudo que nos tira da cadeira
fomos junt@s pra rua
aprendi mais que ensinei
com a caneta de lado
fizemos um poema
e era verde
como os olhos da meninazinha
(Lucas Bronzatto)
Sentei para escrever um poema
mas os vapores do gás lacrimogêneo
jogado nos adolescentes
entraram por debaixo da minha porta
irritaram tanto meus olhos
que não enxergavam mais papel algum
não acreditavam mais em papel algum
Levantei da cadeira
botei o lenço e o vinagre na mochila
e tive que deixar a caneta de lado
Sentei pra escrever um poema
mas a lama da Vale
chegou ao mar das minhas palavras
destelhou minha casa
manchou meu caderno
engoliu tudo que eu tinha escrito
Tentei canetas de todas as cores
mas nenhuma escrevia mais
sobre essa tonalidade dolorida de marrom
Levantei da cadeira
e tive que deixar a caneta de lado
Sentei pra escrever um poema
mas o cortejo pequeno
velando mais um jovem negro assassinado
sob olhares indiferentes
passou na minha janela
me fez levantar da cadeira
e deixar a caneta de lado
Sentei pra escrever um poema
mas tentaram roubar a infância
de uma criança na minha frente
outra vez
a violência adulta foi tanta
que as folhas se espalharam pelo quarto
e não conseguia juntar de novo
meus pedaços
Levantei da cadeira
brinquei com ela no chão
por algumas horas
deixando a caneta de lado
Sentei pra escrever um poema
mas lembrei da piada homofóbica no futebol
do comentário machista no bar
e da linha que liga quem falou
à lampada quebrada nos corpos na rua
aos assédios
a tantos crimes de ódio
Levantei da cadeira
e comecei uma treta
que ainda não acabou
e acabei deixando a caneta de lado
Sentei pra escrever um poema
mas a nova lei que o Congresso aprovou
martelou todos os versos
interditou juridicamente as metáforas
A canetada tirou a caneta da minha mão
e me fez levantar da cadeira
Sentei pra escrever um poema
mas tinha uma brecha
na agenda da escola ocupada
Arrisquei e toparam
Levantei da cadeira
fiz uma oficina sem nunca ter feito
falamos de tudo que nos tira da cadeira
fomos junt@s pra rua
aprendi mais que ensinei
com a caneta de lado
fizemos um poema
e era verde
como os olhos da meninazinha
(Lucas Bronzatto)
Ode ao tomate do quintal
ODE AO TOMATE DO QUINTAL
(releitura agroecológica de poema de Pablo Neruda)
A rua
se enche de perguntas
quando vê
os pés de tomate
irrompidos no concreto
os de apartamentos
indagam
se seria possível sem quintal
os de casas
se perguntam por que não
os que um dia migraram
admiram nostálgicos
os tão cinza quanto a cidade
olham enojados
e não encontram porquês
em dezembro
é comum encontrar
bolotas vermelhas
nos jardins da cidade
brilhantes
artificiais
mas essas bolotas
nada artificiais
surpreendem quem passa
em frente à casa
em dezembro
ou em qualquer mês
destoam
dos canteiros esterilizados
dos pés arrancados
dos pés enterrados na pressa
das praças de alimentação
semear
regar
ver crescer
curar sem química
os desequilíbrios
que a metrópole gera
colher
comer
com calma
compostar a sobra
e com calma
ver vida nova renascer
ciclo que afronta o agronegócio
afronta a indústria de alimentos
afronta caminhões que despejam
milhares de tomates na estrada
pra regular o preço
afronta a morte pré-datada
têm luz própria
vermelhos
como o interior da casa
ingrediente mais presente nas receitas
desde sempre
agora invadiram a cozinha
a ponto
de não ser mais preciso comprar
tomates
pendurados em cabos de vassouras
tornaram-se símbolo
da trincheira contra o capital
aberta no quintal
vistas da calçada
cada madeira alçada
é uma bandeira
pequeno passo para a humanidade
grande passo para o sujeito
fruta de luta
polpa que poupa
semente que desmente a falácia
da necessidade de agrotóxico
debaixo da casca
dentro de suas cavernas
habita afeto
habita partilha
habitam memórias e futuros
de um menino comendo tomate
quase todo fim de tarde
vendo desenhos na tevê
e hoje crescido
toma café
quase todo fim de tarde
olhando os tomates
que outras crianças vão comer
direto do pé
sementes que vão carregar
os que há pouco
estavam amarelos
com suas novas cores anunciam:
é hora de colher!
postos sobre a mesa
são mais a cada colheita
são de vários tipos
prontos para o desfrute
e para o escambo com vizinhos
por abacates
bolos
rosas
conversas de portão
vindos debaixo da terra
seus ramos
são capazes de enlaçar a vizinhança
tanto quanto os insetos
que polinizam
suas flores amarelas
vindos debaixo da terra
postos sobre a mesa
nos entregam de presente
os resquícios
da vida em comunidade na metrópole
que o cimento não tapou
germinando-os
(releitura agroecológica de poema de Pablo Neruda)
A rua
se enche de perguntas
quando vê
os pés de tomate
irrompidos no concreto
os de apartamentos
indagam
se seria possível sem quintal
os de casas
se perguntam por que não
os que um dia migraram
admiram nostálgicos
os tão cinza quanto a cidade
olham enojados
e não encontram porquês
em dezembro
é comum encontrar
bolotas vermelhas
nos jardins da cidade
brilhantes
artificiais
mas essas bolotas
nada artificiais
surpreendem quem passa
em frente à casa
em dezembro
ou em qualquer mês
destoam
dos canteiros esterilizados
dos pés arrancados
dos pés enterrados na pressa
das praças de alimentação
semear
regar
ver crescer
curar sem química
os desequilíbrios
que a metrópole gera
colher
comer
com calma
compostar a sobra
e com calma
ver vida nova renascer
ciclo que afronta o agronegócio
afronta a indústria de alimentos
afronta caminhões que despejam
milhares de tomates na estrada
pra regular o preço
afronta a morte pré-datada
têm luz própria
vermelhos
como o interior da casa
ingrediente mais presente nas receitas
desde sempre
agora invadiram a cozinha
a ponto
de não ser mais preciso comprar
tomates
pendurados em cabos de vassouras
tornaram-se símbolo
da trincheira contra o capital
aberta no quintal
vistas da calçada
cada madeira alçada
é uma bandeira
pequeno passo para a humanidade
grande passo para o sujeito
fruta de luta
polpa que poupa
semente que desmente a falácia
da necessidade de agrotóxico
debaixo da casca
dentro de suas cavernas
habita afeto
habita partilha
habitam memórias e futuros
de um menino comendo tomate
quase todo fim de tarde
vendo desenhos na tevê
e hoje crescido
toma café
quase todo fim de tarde
olhando os tomates
que outras crianças vão comer
direto do pé
sementes que vão carregar
os que há pouco
estavam amarelos
com suas novas cores anunciam:
é hora de colher!
postos sobre a mesa
são mais a cada colheita
são de vários tipos
prontos para o desfrute
e para o escambo com vizinhos
por abacates
bolos
rosas
conversas de portão
vindos debaixo da terra
seus ramos
são capazes de enlaçar a vizinhança
tanto quanto os insetos
que polinizam
suas flores amarelas
vindos debaixo da terra
postos sobre a mesa
nos entregam de presente
os resquícios
da vida em comunidade na metrópole
que o cimento não tapou
germinando-os
Margem histórica
Outra cidade que não esta
à mostra
à vista
à prazo
Guardada nas casas
de portas e janelas coloridas
fechadas
Guardada nos quintais
de lares sem placas charmosas
sem logomarcas
sem brisas de ar condicionado
Cidade que sua
sorri e chora
com seus olhos de gente
seus bichos de gente
suas plantas de gente
suas crenças de gente
Gente
que habita a arquitetura
moradores dos patrimônios
imateriais humanos
materiais privações
apropriações
expropriações
Gente
do centro histórico
à margem
de quem passa vendo vitrines
e cardápios poliglotas
Gente
do centro histórico
Gente: o centro da História
de outra cidade que não esta
à mostra
à vista
à prazo
[Foto: Nair Benedicto - Exposição "Esta é a vida que eu quis" (Personagens de Paraty)]
à mostra
à vista
à prazo
Guardada nas casas
de portas e janelas coloridas
fechadas
Guardada nos quintais
de lares sem placas charmosas
sem logomarcas
sem brisas de ar condicionado
Cidade que sua
sorri e chora
com seus olhos de gente
seus bichos de gente
suas plantas de gente
suas crenças de gente
Gente
que habita a arquitetura
moradores dos patrimônios
imateriais humanos
materiais privações
apropriações
expropriações
Gente
do centro histórico
à margem
de quem passa vendo vitrines
e cardápios poliglotas
Gente
do centro histórico
Gente: o centro da História
de outra cidade que não esta
à mostra
à vista
à prazo
[Foto: Nair Benedicto - Exposição "Esta é a vida que eu quis" (Personagens de Paraty)]
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