Com as mesmas mãos
(Roberto Fernández Retamar)
Com as
mesmas mãos de te acariciar estou
construindo uma escola.
Cheguei
quase ao amanhecer, com as que pensei
que seriam roupas de trabalho,
Mas os
homens e os rapazes que em seus
farrapos esperavam
Ainda
assim me chamaram de senhor.
Estão em
um casarão quase desmoronando
com muitas
camas pequenas e paus: ali passam
as noites
Agora, em
vez de dormir embaixo das pontes
ou nos vestíbulos.
Um deles
sabe ler, e o mandaram buscar quando
souberam que eu tinha biblioteca.
(É alto,
luminoso, e usa uma barbinha no
insolente rosto mulato.)
Passei
pelo que será o refeitório escolar, hoje
sinalado apenas por pedaços de
madeira
Sobre os
quais meu amigo traça com seu dedo
no
ar janelas grandes e portas.
Atrás estavam
as pedras, e um grupo de
rapazes
Transportavam-nas
em velozes carriolas. Eu
pedi uma
E comecei
a aprender o trabalho elementar
dos homens elementares.
Logo tive
minha primeira pá, e tomei a água
silvestre dos trabalhadores.
E,
fadigado, pensei em ti, naquela vez
Que ficaste
fazendo uma colheita até
a vista escurecer
Como agora a mim.
Que
distantes estávamos das coisas verdadeiras,
Amor, que
distantes – como um do outro!
A conversa
e o almoço
Foram
merecidos, e a amizade do pastor.
Houve até
um casal de apaixonados
Que se
envergonhavam quando nós os apontávamos
rindo,
Fumando,
depois do café.
Não há momento
Em que não
pense em ti.
Hoje
talvez mais,
E enquanto
ajude a construir esta escola
Com as
mesmas mãos de te acariciar
(Tradução livre de poema extraído
do livro “Con las mismas manos”, de 1962)
--
Roberto
Fernández Retamar nasceu em Havana, Cuba, em 1930. Professor, tradutor,
poeta, crítico, ensaísta, é uma das personalidades mais dinâmicas e irradiantes
da atual cultura cubana. Durante um longo período esteve à frente do Instituto
de Estudos Martianos e atualmente preside a Casa de las Américas.
Fernández
Retamar é um desses homens de transição que se levantam (assim diz ele em um de
seus poemas) “entre uma classe à qual não pertencemos, porque não podíamos ir a
seus colégios nem chegamos a acreditar em seus deuses” e "outra classe na qual
pedimos um lugar, mas não temos totalmente suas memórias nem temos totalmente
suas mesmas humilhações”; “entre acreditar em um monte de coisas, da terra, do céu
e do inferno, e não acreditar em absolutamente nada, nem sequer que o incrédulo
existe de verdade”.
Boa parte
do indubitável atrativo de sua poesia tem a ver com a franqueza, às vezes
humilde e orgulhosa, às vezes convicta e desconcertada, com que o poeta assume,
em nome de uma insegura promoção, de uma classe alarmada, sua inconfortável
função transitiva, sua condição de instável, ponte quase improvisada entre duas
épocas contrárias e contrapostas.
(Mario
Benedetti sobre Roberto Fernández Retamar, em 1995)
Este primeiro
poema dele que escolhi para traduzir (Con las mismas manos) fala entre outras coisas, de amor. E sobre poemas
de amor, Fernández Retamar diz: “nem sempre é fácil assegurar quando um poema é
de amor. Mas com o passar do tempo cheguei à conclusão de que um poema de amor
é o que é proposto, e sobretudo recebido
como tal. Seu assunto evidente pode ser o amor, mas também um lugar, um tempo,
um personagem histórico ou imaginário, um feito grandioso ou fútil; no entanto,
não é o assunto que o faz um verdadeiro poema de amor.”
Cheguei até este excelente poeta por meio do Silvio Rodriguez, que realizou um show em 2010 com Retamar, em homenagem aos 50 anos da Casa de las Américas. O show "Con las mismas manos" era um diálogo entre poemas e canções, combinadas de acordo com afinidades temáticas, com Silvio "respondendo" aos poemas de Retamar com suas canções. Assisti a este show em video (tem disponível na integra no youtube) e me encantei pelos versos simples e profundos deste poeta tão pouco conhecido no Brasil.
A seguir, o poema "Con las mismas manos" declamado por ele e a resposta de Silvio, com a música "Te doy una canción"
e
--
Por fim (por enquanto), a tradução de um fragmento de um poema longo dele, chamado "El Fuego junto al mar"
O Fogo junto ao mar (fragmento 6)
6.
Os outros
versos
Os que não
estão aqui
Os que
somente uns olhos
Veem, só
uma boca
Recita,
beija, morde,
Iluminam
de longe
De seu
lugar escuro
A estes
daqui, são como
A figura
completa de um desenho
Os
silêncios que tornam uma música
Inteira,
verdadeira.
(tradução livre de poema extraído do livro Historia
antigua, 1964)
Gostei muito de ler as traduções, vou ouvir a música para sentir o sentido dos versos
ResponderExcluirParabéns Lucas pleo belo trabalho
bjo
Su