quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Roberto Fernández Retamar - Con las mismas manos (tradução)



Com as mesmas mãos
(Roberto Fernández Retamar)

Com as mesmas mãos de te acariciar estou
            construindo uma escola.
Cheguei quase ao amanhecer, com as que pensei
            que seriam roupas de trabalho,
Mas os homens e os rapazes que em seus
            farrapos esperavam
Ainda assim me chamaram de senhor.
Estão em um casarão quase desmoronando
com muitas camas pequenas e paus: ali passam
            as noites
Agora, em vez de dormir embaixo das pontes
            ou nos vestíbulos.
Um deles sabe ler, e o mandaram buscar quando
            souberam que eu tinha biblioteca.
(É alto, luminoso, e usa uma barbinha no
            insolente rosto mulato.)
Passei pelo que será o refeitório escolar, hoje
            sinalado apenas por pedaços de madeira
Sobre os quais meu amigo traça com seu dedo
no ar janelas grandes e portas.
Atrás estavam as pedras, e um grupo de
rapazes
Transportavam-nas em velozes carriolas. Eu
            pedi uma
E comecei a aprender o trabalho elementar
            dos homens elementares.
Logo tive minha primeira pá, e tomei a água
            silvestre dos trabalhadores.
E, fadigado, pensei em ti, naquela vez
Que ficaste fazendo uma colheita até
            a vista escurecer
            Como agora a mim.
Que distantes estávamos das coisas verdadeiras,
Amor, que distantes – como um do outro!

A conversa e o almoço
Foram merecidos, e a amizade do pastor.
Houve até um casal de apaixonados
Que se envergonhavam quando nós os apontávamos
rindo,
Fumando, depois do café.
                                          Não há momento
Em que não pense em ti.
                                          Hoje talvez mais,
E enquanto ajude a construir esta escola
Com as mesmas mãos de te acariciar

(Tradução livre de poema extraído do livro “Con las mismas manos”, de 1962)

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Roberto Fernández Retamar nasceu em Havana, Cuba, em 1930. Professor, tradutor, poeta, crítico, ensaísta, é uma das personalidades mais dinâmicas e irradiantes da atual cultura cubana. Durante um longo período esteve à frente do Instituto de Estudos Martianos e atualmente preside a Casa de las Américas.
Fernández Retamar é um desses homens de transição que se levantam (assim diz ele em um de seus poemas) “entre uma classe à qual não pertencemos, porque não podíamos ir a seus colégios nem chegamos a acreditar em seus deuses” e "outra classe na qual pedimos um lugar, mas não temos totalmente suas memórias nem temos totalmente suas mesmas humilhações”; “entre acreditar em um monte de coisas, da terra, do céu e do inferno, e não acreditar em absolutamente nada, nem sequer que o incrédulo existe de verdade”.
Boa parte do indubitável atrativo de sua poesia tem a ver com a franqueza, às vezes humilde e orgulhosa, às vezes convicta e desconcertada, com que o poeta assume, em nome de uma insegura promoção, de uma classe alarmada, sua inconfortável função transitiva, sua condição de instável, ponte quase improvisada entre duas épocas contrárias e contrapostas.
(Mario Benedetti sobre Roberto Fernández Retamar, em 1995)

Este primeiro poema dele  que escolhi para traduzir (Con las mismas manos) fala entre outras coisas, de amor. E sobre poemas de amor, Fernández Retamar diz: “nem sempre é fácil assegurar quando um poema é de amor. Mas com o passar do tempo cheguei à conclusão de que um poema de amor é o que é proposto, e sobretudo recebido como tal. Seu assunto evidente pode ser o amor, mas também um lugar, um tempo, um personagem histórico ou imaginário, um feito grandioso ou fútil; no entanto, não é o assunto que o faz um verdadeiro poema de amor.”

Cheguei até este excelente poeta por meio do Silvio Rodriguez, que realizou um show em 2010 com Retamar, em homenagem aos 50 anos da Casa de las Américas. O show "Con las mismas manos" era um diálogo entre poemas e canções, combinadas de acordo com afinidades temáticas, com Silvio "respondendo" aos poemas de Retamar com suas canções. Assisti a este show em video (tem disponível na integra no youtube) e me encantei pelos versos simples e profundos deste poeta tão pouco conhecido no Brasil.
A seguir, o poema "Con las mismas manos" declamado por ele e a resposta de Silvio, com a música "Te doy una canción"

e


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Por fim (por enquanto), a tradução de um fragmento de um poema longo dele, chamado "El Fuego junto al mar"

O Fogo junto ao mar (fragmento 6)

6.

Os outros versos
Os que não estão aqui
Os que somente uns olhos
Veem, só uma boca
Recita, beija, morde,
Iluminam de longe
De seu lugar escuro
A estes daqui, são como
A figura completa de um desenho
Os silêncios que tornam uma música
Inteira, verdadeira.

(tradução livre de poema extraído do livro Historia antigua, 1964)


Um comentário:

  1. Gostei muito de ler as traduções, vou ouvir a música para sentir o sentido dos versos
    Parabéns Lucas pleo belo trabalho
    bjo
    Su

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