O acrobata do semáforo
(Lucas Bronzatto)
eu sou o acrobata do semáforo
e do banco da frente você finge que não me vê.
dou discretas batidas em seu vidro
e você se contorce, agarrando-se a um cinto
que te livra do mal e te salva sempre que você freia
bruscamente qualquer início qualquer indício de culpa
e responsabilidade pelo que vê.
e responsabilidade pelo que vê.
deixo para os segundos finais do meu espetáculo,
para que leve embora, meu rosto
triste, miúdo de quem teve
qualquer lugar para chegar arrancado do caminho.
leve-o para onde deve ir. seu desejo de comprar
aquele fogão com acendedor automático
aparentemente queima meus olhos suplicantes
e meu grand finale não afeta seu trajeto.
apenas te vejo partir, acelerando
provavelmente em direção às gotas
de seu calmante químico e sua nova tela
de cristal líquido, que liquefazem seus dias
e te deixam com essa estúpida sensação
de que sem pílulas e produtos perecíveis
você talvez corte os pulsos
cuidando para não sujar o estofado novo.
eu sou o acrobata do semáforo e do seu cômodo sofá
você não me vê mais. respiro agora o ar
que está fora deste chassi quase blindado
que nos separa. faço minhas acrobacias
no seu vazio interno, aquele que você não quer ver
e que os donos de caixas eletrônicos
e de empresas de nomes estrangeiros e alfanuméricos,
publicitários e jornalistas comprados
não querem que você veja.
sou parte desse enigma, dessa esfinge
que silenciosamente atormenta sua paz fictícia.
fictícia, diga comigo: fictícia.
Em setembro de 2011, no Tantas Letras, recebemos a visita do poeta Carlos Augusto Lima (http://memoriaeprojeto.wordpress.com/), que entre outras grandes contribuições, nos deixou com a tarefa de escrever um poema inspirado em um dos poemas de seu livro "Manual de Acrobacias". Escrever o nosso próprio acrobata. No blog dele tem os vários acrobatas que já foram refeitos, espontaneamente pelos seus amigos, ou sugerido por ele, como é o nosso caso. Esse é o meu, versão final até agora, reformulado com sugestões nas oficinas do Tantas Letras e no Zé Lapada. A inspiração veio desse:
eu sou o acrobata do banco de trás
e só você me vê. vou deixar as
duas mãos no vidro e me contorcer
amarrado a este cinto que me livra
do mal, toda sorte ruim, acaso,
quebranto e freadas bruscas. estes
os segundos finais do grande espetáculo,
e só você me vê. vou deixar as
duas mãos no vidro e me contorcer
amarrado a este cinto que me livra
do mal, toda sorte ruim, acaso,
quebranto e freadas bruscas. estes
os segundos finais do grande espetáculo,
até você ir embora, arrancando
com vagar o seu rosto triste, miúdo
como se quisesse chegar a nenhum lugar.
aonde deve ir. os acendedores do fogão
pifaram e estamos sem fósforo. não
tomaremos calmantes naturais, mas ex-
plodiremos com discreta naturalidade.
vou deixar os vidros abertos na esperança
de oxigenar o mundo e para que alguém
me corte os pés e o estofamento novo.
eu sou o acrobata do banco de trás
e você não me vê. o mesmo ar que
respiro não é o seu, pois estamos
separados. entre um passo e outro, uma
espera na fila do caixa eletrônico
com seus enigmas, senhas alfanuméricas,
nossa esfinge possível, um abismo.
um abismo. diga comigo: um abismo.
com vagar o seu rosto triste, miúdo
como se quisesse chegar a nenhum lugar.
aonde deve ir. os acendedores do fogão
pifaram e estamos sem fósforo. não
tomaremos calmantes naturais, mas ex-
plodiremos com discreta naturalidade.
vou deixar os vidros abertos na esperança
de oxigenar o mundo e para que alguém
me corte os pés e o estofamento novo.
eu sou o acrobata do banco de trás
e você não me vê. o mesmo ar que
respiro não é o seu, pois estamos
separados. entre um passo e outro, uma
espera na fila do caixa eletrônico
com seus enigmas, senhas alfanuméricas,
nossa esfinge possível, um abismo.
um abismo. diga comigo: um abismo.
(Carlos Augusto Lima)